A Lectio Divina é um método de oração muito praticado na Igreja desde os seus primórdios e, segundo D. Garcia M. Colombás, “ler, escutar, reter, aprofundar, viver a Palavra de Deus contida na Escritura, mergulhar nela com fé e amor: nisso consiste essencialmente a Lectio Divina”. O primeiro a utilizar a expressão Lectio Divina foi Orígenes – teólogo e escritor cristão ( aproximadamente 185-253 d.C.) -, que afirmava que, para ler a Bíblia com proveito, é necessário fazê-lo com atenção, constância e oração. Tempos depois, a Lectio Divina transformou-se na coluna vertebral da vida religiosa. As regras monásticas de São Pacômio, Santo Agostinho, São Basílio e São Bento fizeram dessa prática, junto ao trabalho manual e a liturgia, a tripla base da vida monástica. A sistematização da Lectio Divina em quatro escalas provém do século XII. Ao redor do ano 1150, Guigo II, monge e Prior da Grande Cartuxa, escreveu um livrinho intitulado “Escada de Jacó – Tratado sobre o modo de orar, escada dos monges e escada do paraíso”, onde expunha a teoria dos quatro degraus, na sua famosa Scala Claustralium, a saber: a lectio (leitura), a meditatio (meditação), a oratio(oração) e a contemplatio (contemplação). Ele afirmava que “essa é a escada pela qual os monges sobem desde a terra até o céu”.
O Concílio Vaticano II, em seu decreto Dei Verbum 25, ratificou e promoveu com todo o peso de sua autoridade, a restauração da Lectio Divina, que teve um período de esquecimento por vários séculos na Igreja. O Concílio exorta igualmente, com ardor e insistência, a todos os fiéis cristãos, especialmente aos religiosos, que, pela freqüente leitura das divinas Escrituras, alcancem esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo (Fl 3,8). Porquanto “ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo” (São Jerônimo, Comm. In Is., prol).
Embora seja uma oração individual, também pode ser praticada em grupo.
As leituras bíblicas mais indicadas para a Lectio Divina são basicamente os Salmos e os Evangelhos.
É bom deixar bem claro que não existe uma clara distinção ou zona fronteiriça entre os quatro diferentes degraus da Lectio Divina. Eles chegam a se confundir um com o outro e a se completar. Cada degrau simplesmente segue o anterior.
Inicie a Lectio Divina, invocando o Espírito Santo.
Degraus da Lectio Divina
1. Lectio (Leitura)
O leitor-orante está iniciando o primeiro degrau ou passo da Lectio Divina. Portanto, de preferência, deve estar com o corpo bem relaxado e acomodado. Também a mente deve estar livre de quaisquer preocupações ou inquietações. Deve ser escolhido um texto bíblico, de preferência curto. Ele deve ser lido bem lenta, pausada e cuidadosamente (ser ouvido interiormente) com toda a atenção. O leitor-orante deve apropriar-se das palavras como se Deus as dissesse para ele, naquele momento. A leitura do texto bíblico pode ser repetida quantas vezes se fizer necessário, até que ela faça morada no coração de quem a lê, pois, no dizer de Mario Masini: “É no coração que se encontra a sala onde o Senhor é acolhido”.
O leitor-orante não pode se esquecer de que ele é um ouvinte da Palavra de Deus e, como tal, deverá sentir-se tocado pelos mesmos sentimentos com os quais o texto lido foi escrito. É necessário deixar-se envolver pelo texto. Ele deve responder à seguinte pergunta durante a leitura: O que diz o texto?
2. Meditatio (Meditação)
Superado com êxito o primeiro degrau ou passo da Lectio Divina, o leitor-orante dá início ao segundo degrau ou passo da mesma. É preciso deixar o texto bíblico agir nele e, para que isso aconteça, faz-se necessário “ruminar, mastigar, digerir” a Palavra de Deus até descobrir o que é que Deus está falando com ele.Neste momento particular, pode-se imitar a atitude de Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta”(1Sam 3, 1-10ss).
Segundo o monge Guigo II, “a meditação é uma acão da mente que procura com ardor, sob a guia da razão, o conhecimento da verdade escondida”. Para isso é necessário dialogar com o texto, fazendo com que ele participe da vida do leitor-orante: a vida ilumina o texto e o texto ilumina a vida.
Trata-se aqui de uma atualização do texto para mim mesmo, por isso a pergunta a ser respondida é: O que diz o texto para mim hoje, agora?
3. Oratio (Oração)
O terceiro degrau ou passo da Lectio Divina é a oração. Nos dois degraus ou passos anteriores era a Palavra de Deus que se manifestava ao leitor-orante. Era ela que conduzia o diálogo: era dela que vinham as respostas. Agora, acontece o contrário. O leitor-orante é o protagonista do diálogo oracional. Se antes era Deus quem lhe fazia a proposta, agora, através da oração, é ele quem responde a Deus. Ele passa a conversar com Deus a partir do texto bíblico. Sua resposta – oração ou diálogo com Deus – pode ser uma súplica, uma ação de graças, uma petição etc. Aqui poderá ser imitada a atitude de Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”(Lc 1,38). A pergunta que se deve fazer é: O que o texto me faz dizer a Deus?
4. Contemplatio (Contemplação)
O último degrau ou passo da Lectio Divina é a contemplação, que por assim dizer é o resultado natural a que se chega pelos passos percorridos anteriormente. Agora as palavras já não se fazem necessárias. Basta o silêncio oracional. É preciso calar-se e entregar-se a Deus. É preciso permitir que seja ele a agir. É um momento de adoração. A vida, o mundo, as pessoas passam a ser vistos a partir dos critérios de Deus. A visão de tudo se dá a partir de Deus.
Referindo-se aos diferentes degraus ou passos da Lectio Divina, o monge Guigo II afirmava em forma de resumo: “A Leitura procura a doçura bem-aventurada; a Meditação encontra-a; a Oração pede-a e a Contemplação saboreia-a. A Leitura conduz o alimento à boca; a Meditação mastiga-o e digere-o; a Oração formula o desejo e a Contemplação atinge o gosto e a doçura; a Contemplação é uma elevação do espírito acima de mim mesmo; suspensa em Deus, ela saboreia as alegrias da doçura eterna”.
(Texto extraído do folheto Lectio Divina, publicado pela Paulus Editora)